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Falta de fiscais agropecuários fragiliza inspeção e pode encarecer alimentos ainda mais



Uma mudança nos procedimentos de inspeção de produtos importados de origem animal vem causando atraso na entrada de cargas no Brasil. A nova regra, que entrou em vigor em agosto, expõe a precarização do setor de fiscalização agropecuária, com possíveis impactos para o consumidor.


Conforme revelou o jornal Valor Econômico, cinco entidades do agronegócio enviaram ofício na última semana ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) alertando para o risco de “aumentos de custo”, “pressão inflacionária” e “restrição ao consumo de alimentos” por conta das filas nas fronteiras.


Entre as entidades que expressaram preocupação com o tema, estão a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), além de representantes de indústrias destinadas à alimentação animal. Os itens alimentícios mais afetados pela inflação no último ano no Brasil são óleos e gorduras (64,8%), cereais e castanhas (51,7%) e carnes (27,5%), conforme dados de julho de 2020 a julho de 2021.

O que mudou

Até o dia 18 de agosto, o importador enviava uma documentação do país de origem da carga ao governo brasileiro, que determinava o local onde o produto seria reinspecionado – fábricas, frigoríficos ou estabelecimentos registrados pelo SIF. Com a nova regra, os documentos são recebidos por uma central virtual de análise, que distribui os processos a veterinários da Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), que atuam nas fronteiras. Ou seja, as cargas só são autorizadas a entrar no país após reinspeção na estação primária – portos, aeroportos e aduanas.


Especialistas consideram que essa é uma mudança racional. Acontece que a efetividade dela depende de treinamento e disponibilidade de pessoal. E não há auditores disponíveis para atender essa demanda. Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA-Sindical), a mudança foi muito brusca. Segundo a entidade, foram reportadas filas no Porto de Santos (SP) e em São Borja (RS).


Os alimentos importados de origem animal, que tendem a encarecer devido às filas na fronteira, não são de consumo diário da maioria dos trabalhadores brasileiros – carne bovina premium e carne de cordeiro, salmão, pescada e merluza. No entanto, as filas revelam um problema que diz respeito a todos: a fragilização dos processos de inspeção. O Ministério tem enviado forças-tarefa para atuar nos locais mais críticos, de maior risco. Mas o auditor que é enviado para uma força-tarefa deixa de realizar seu trabalho no local de origem, que fica descoberto.


O número de servidores ativos nessa função no Brasil não acompanhou o crescimento do agronegócio. Entre os anos de 2006 e 2007, havia aproximadamente 3 mil. Hoje são 2.550, o mesmo de 19 anos atrás. Durante esse período, foram implementados vários instrumentos eletrônicos. Ainda assim, isso não justifica a redução, porque o crescimento do setor agropecuário foi muito intenso. A situação é agravada pelo fato de que muitos se aposentaram, principalmente no período de votação da reforma da Previdência, temendo as consequências nefastas daquela mudança, e não foram abertas novas vagas, por meio de concurso público desde então.


O fiscal agropecuário atua não só na inspeção de itens importados. O trabalho começa ainda no campo, na coordenação de programas de prevenção de doenças, no controle da qualidade e do uso de insumos. Os auditores também fiscalizam as etapas de processamento de alimentos de origem vegetal e animal, além de garantir a vigilância das fronteiras e atestar a segurança dos produtos exportados pelo Brasil.


Em estabelecimentos onde há abate, o fiscal deve estar dentro da planta permanentemente. Não se trata de uma especificidade do Brasil: o mesmo ocorre nos Estados Unidos ou em países da União Europeia, para garantir a segurança do produto. Nos estabelecimentos onde não há abate, a inspeção é periódica.


Mas, por falta de pessoal, hoje o auditor que deveria estar permanentemente em uma planta de abate está também em dez estabelecimentos de fiscalização periódica. Para suprir a falta de pessoal, têm sido contratados não auditores, mas veterinários de forma temporária, burlando o princípio do concurso público. São profissionais que não têm poder de polícia administrativa, ou seja, não podem interditar ou autuar.


A defesa agropecuária, ao longo da cadeia, é tradicionalmente uma atividade compartilhada entre agentes públicos e privados. Com a defasagem no número de auditores, o sindicato da categoria relata que funções do Estado vêm sendo cada vez mais assumidas por empresas do agronegócio. Em paralelo a essa redução de concursos para reposição de pessoal, há uma série de medidas colocadas em prática que transferem algumas atribuições de controle e fiscalização para a iniciativa privada – sem o efetivo acompanhamento.


Graças ao trabalho de auditores federais, foram identificados, por exemplo, casos recentes de encefalopatia espongiforme bovina, nome científico da doença da “vaca louca”. O diagnóstico foi feito por servidores do Estado, em um laboratório público, evitando que o Brasil perdesse cifras milionárias, contaminasse rebanhos e o consumidor final.


Em julho deste ano, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que a atuação dos auditores fiscais federais agropecuários contribuiu com R$ 44,9 bilhões para a economia nacional, ou seja, o correspondente a 8,65% das exportações do agronegócio brasileiro durante a pandemia. O estudo aponta que, entre janeiro e novembro de 2020, a demanda por Certificados Sanitários Internacionais (CSI) para fins de exportação de produtos de origem animal do Brasil cresceu 17,3% frente ao mesmo período de 2019. Ainda segundo a FGV, se esses profissionais tivessem paralisado as atividades na pandemia, a agricultura perderia R$ 25,7 bilhões, e agroindústria, cerca de R$ 17,9 bilhões.


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