Parece queijo, tem gosto de queijo, mas não é queijo. E não pode ser vendido como queijo!
Está no burguer, na pizza, no recheio do salgado. Pode estar também no sorvete, no milk shake, no chantilly que recheia o bolo ou que acompanha um cafezinho. São as chamadas “soluções lácteas”, subprodutos que imitam queijos e lácteos, com uma proporção menor de leite em sua composição. Na verdade, apesar do nome, há casos em que não há leite algum.
Tendência em alta na indústria de alimentos e bebidas, os alternativos lácteos surfam em um vazio regulatório e na crise que vem afetando a produção de leite no Brasil. Em 20 anos, 600 mil produtores deixaram a atividade, pressionados por custos cada vez mais altos, e a disponibilidade de leite diminuiu.
Em meio a esse cenário, cresce a oferta de produtos de menor qualidade nutricional e preço baixo, seja para outros fabricantes de alimentos ou para o consumidor final. Isso ocorre devido a brechas na legislação de alimentos que têm permitido até mesmo o uso de aditivos não autorizados pela Anvisa.
É o caso, por exemplo, das misturas lácteas, que ganharam visibilidade no ano passado com as prateleiras dos supermercados cheias de novos produtos à base de soro de leite vendidos em embalagens muito parecidas com as dos produtos originais.
Sobre a legislação
No Brasil, o registro, a regulamentação e a fiscalização de produtos de origem animal são atribuições compartilhadas entre o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e a Anvisa, que autoriza o uso de aditivos nestes produtos. Derivados lácteos são registrados junto ao MAPA e divididos em três diferentes classificações: produtos lácteos, produtos lácteos compostos e misturas lácteas. No caso dos produtos lácteos compostos ou das misturas lácteas, é necessário ter um percentual mínimo de mais de 50% de ingredientes lácteos no peso final.
Em um sistema alimentar que vem se fundamentando no casamento entre commodities agrícolas e produtos ultraprocessados, as corporações oferecem soluções para problemas que ela mesmo causa. E acabam gerando uma grande dor de cabeça para as autoridades regulatórias para lidar com essas “inovações”.
Outro exemplo, além dos "queijos", é o chantilly. No caso de algumas marcas, apesar de levar este nome no rótulo, não há creme de leite em sua composição. O chantilly de verdade é resultado do creme – a parte gordurosa do leite, mais cara e escassa – batido com açúcar. Em letras pequenas, na parte inferior da embalagem, costuma vir a denominação oficial deste produto: creme vegetal “tipo” chantilly.
A grande vantagem destes produtos é o preço. Mas eles resolvem outros “problemas” para uma indústria que gosta de padronizar hábitos e impor os mesmos produtos mundo afora: ao tirar o leite altamente perecível da equação, os produtos têm maior durabilidade. Outro ganho é a facilidade na manipulação para o uso industrial ou profissional na preparação de outros alimentos ou receitas destinadas ao consumidor final.
Mesmo tendo uma legislação robusta no caso de produtos de origem animal, as regras brasileiras para a comercialização desses alimentos têm brechas que permitem que fabricantes dos chamados alternativos lácteos se amparem no uso de denominações como "tipo", “cobertura”, “molho” ou “preparado” sabor queijo ou outro produto lácteo.
Para complicar ainda mais, quando se trata de aromatizantes, seguindo a legislação vigente, pode ser utilizado o termo ‘sabor mussarela’, ’sabor requeijão’, etc, se utilizarem aromatizantes com essa designação. E, nesses casos, se os produtos tiverem menos de 50% de ingrediente lácteo - ou nada de leite - em sua composição, eles passam a ser registrados e fiscalizados apenas pela Anvisa. O MAPA fica fora do circuito.
Além disso, o controle sobre a rotulagem não é tão rigoroso no food service quando comparado aos produtos que vão direto para a prateleira dos supermercados. Neste caso, o consumidor final tem acesso, ainda que em letras miúdas, à lista de ingredientes. Mas quem compra um lanche supostamente com queijo ou uma sobremesa que deveria ser láctea muito provavelmente não sabe o que está ingerindo.
O caso dos aditivos
Ao se tornarem ultraprocessados, todos esses subprodutos – com base láctea ou apenas alegação láctea – levarão aditivos diversos. Esses aditivos devem constar em uma lista positiva, ou seja, devem ter autorização da Anvisa para uso conforme a finalidade e o tipo de produto a que se destinam.
Um molho sabor qualquer coisa, emulsionado ou não, pode, segundo a Anvisa, conter mais de 200 tipos de aditivos para ao menos dez funções distintas. Já as regras para o requeijão são mais restritas, com 66 aditivos permitidos em 6 funções. O mesmo ocorre com o creme tipo chantilly mencionado anteriormente, enquadrado na mesma categoria que a margarina: pode levar 216 aditivos diferentes em 11 funções.
Fonte: GGN