top of page

Blog Pratic

Por que estamos tão longe de solucionar a cisticercose?



O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou uma instrução normativa que vai muito além daquilo a que se destina – e merece especial atenção de toda a cadeia produtiva de carne bovina. Trata-se da Instrução Normativa N⁰ 121, que estabeleceu prazo de 18 meses para aplicação da destinação da condenação de carcaças com infecção por Cysticercus Bovis e o seu tratamento condicional pelo frio ou pelo calor, após a remoção e a condenação das áreas atingidas pela infecção.


Desperta curiosidade o prazo para a aplicação da IN. Caso a medida proposta para equacionar o problema do novo critério estabelecido pelo artigo Nº 185 do RIISPOA (destinação das carcaças bovinas para aproveitamento condicional nas situações em que forem identificadas um cisto de cisticercose calcificada) seja postergar a entrada em vigor deste critério de julgamento veterinário, então seria mais lógico a concessão do prazo de 48 meses. Isso porque a transmissão dos ovos da T. saginata geralmente se dá por alimentos e água contaminada, e pode ocorrer a qualquer momento após o desmame. Com o critério proposto pela Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), o uso do vermífugo e por consequência a própria inativação do cisticerco pelo vermífugo não protegerá os pecuaristas do desconto a ser imposto pelos frigoríficos, em razão da nova destinação a ser dada a carcaça para o aproveitamento condicional.


Um critério técnico-razoável, que leve em conta o ciclo epidemiológico do complexo teníase-cisticercose associado ao tempo necessário para implementar as políticas públicas necessárias para diminuição e a prevenção da doença, seria considerar o tempo do ciclo de produção da bovinocultura de corte do País (média entre 42 a 48 meses). Para facilitar o acompanhamento do prazo pela cadeia produtiva, teria sido mais razoável que a entrada em vigor deste critério tivesse se dado somente após quatro anos da publicação Decreto Nº 10.468 de 18 de agosto de 2020. A boa técnica regulatória e a ciência são inegociáveis.


A diminuição dos prejuízos causados aos pecuaristas passam a depender quase exclusivamente das boas práticas agropecuárias (ex: controle de água e ração, vermifugação dos tratadores), da educação sanitária da população, e principalmente saneamento básico. Essas duas últimas medidas de maior complexidade não estão na governança dos pecuaristas.


Sobre o saneamento básico, é sempre bom ter em mente que no Brasil há 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, 100 milhões sem coleta de esgotos (representando 47,6% da população) e somente 46% dos esgotos produzidos no país são tratados. Isso significa mais um elemento de dificuldade na prevenção de doenças que têm estreita correlação com os altos índices de poluição em rios de todo o país. Sem encararmos esse dilema de frente nunca resolveremos esta situação, vez que a maior causa da manutenção da doença no país é a ausência de saneamento básico.


A iniciativa do MAPA é correta e meritória no sentido de tentar reduzir a prevalência da doença e merece o reconhecimento do setor, porém o ciclo da Teníase não se encerra no abatedouro frigorífico. Ele (o frigorífico) é, na verdade, o “retrovisor” de tudo aquilo que ocorre nas etapas anteriores dos elos da cadeia da bovinocultura, portanto responsável por notificar as doenças aos órgãos de saúde pública, para que, estes sim, possam adotar medidas de controle sanitário para a contenção ou, se possível, a erradicação dos males pela interrupção do ciclo de contaminação.


Outro tema bem controverso é a real necessidade dos programas de melhoria da qualidade da matéria-prima e de educação continuada dos produtores. Será que o pecuarista deseja ou precisa ser orientado por programas de melhoria da qualidade da sua matéria-prima, sendo submetido à educação continuada ofertada pelos frigoríficos? Outro questionamento ainda deve ser feito: pode o regulador terceirizar a sua atividade e a do produtor em desfavor dos frigoríficos sob a égide da eficácia deste novo critério? É importante reconhecermos o limite de cada elo da cadeia produtiva, e assim evitar a criação de competências concorrentes e irrealizáveis.


O Parágrafo Único da Instrução Normativa Nº 121 define que, quando forem encontrados mais de um cisto, viável ou calcificado, e menos do que o fixado para infecção intensa, a carcaça deve ser destinada ao aproveitamento condicional pelo uso do calor, após remoção e condenação das áreas atingidas. Teve o regulador a intenção de renunciar ou revogar a possibilidade de os abatedouros frigoríficos continuarem a aplicar o tratamento a frio (TF), como processo industrial seguro e eficaz contra a cisticercose e que reduz em parte os prejuízos que os pecuaristas vêm padecendo, ou foi mero descuido de revisão? Da forma como está parece excluir, aparentemente exclui o TF e limita o uso condicional pelo uso ao calor.


A iniciativa da publicação da IN Nº 121 não pode ser outra que não corrigir rumos e reconhecer que ainda há muito a se dialogar, compreender e, com toda a cadeia produtiva unida, decidir quais caminhos perseguir.


Fonte: Portal BDO

Comentarios


Destaques
Veja todos os posts
Siga a Pratic
  • Grey Facebook Icon
bottom of page